O que é

Manifesto de Criação da Frente pela Regulação da Publicidade de Alimentos
Brasil, 17 de dezembro de 2010

Dados das Pesquisas de Orçamentos Familiares, realizadas periodicamente no Brasil pelo IBGE, indicam a crescente substituição de alimentos tradicionais e saudáveis da dieta brasileira, como a mistura arroz e feijão, por bebidas e alimentos ultraprocessados, densamente calóricos e com baixa concentração de nutrientes. Essa substituição é extremamente prejudicial à saúde da população e coloca em risco os avanços obtidos pela Saúde Pública brasileira nas últimas décadas. O crescimento vertiginoso da obesidade no país talvez seja a expressão mais dramática das consequências do crescimento do consumo de alimentos ultraprocessados. Na mais recente pesquisa nacional, realizada em 2008-2009, o IBGE constatou que apresentavam peso excessivo metade dos adultos brasileiros, um em cada cinco adolescentes e uma em cada três crianças de 5 a 9 anos.

A deterioração do padrão alimentar da população e o aumento explosivo da obesidade e do risco das doenças crônicas que acompanham essa condição requerem esforços urgentes do poder público. Nesse contexto, a proteção da saúde pressupõe o dever de informar sobre o risco do consumo excessivo de alimentos com altas concentrações de açúcar, gorduras não saudáveis e sódio - características encontradas na imensa maioria dos alimentos ultraprocessados. Ainda mais quando se sabe que justamente estes alimentos são aqueles mais anunciados por meio de campanhas publicitárias no país, inclusive com peças dirigidas especificamente ao público infantil, incentivando-se o consumo exagerado de alimentos ultraprocessados desde a infância, contribuindo-se assim para a formação de hábitos alimentares não saudáveis.

É inegável do ponto de vista científico o efeito da publicidade sobre a decisão de compra e escolha das famílias. No caso das crianças, há fortes evidências de que a publicidade televisiva, em um prazo curto de tempo, influencia no consumo semanal e até diário, levando-as a preferir os produtos anunciados – no caso de alimentos, em sua maioria, produtos ultraprocessados com alto teor calórico e baixo valor nutritivo. O fato de que hábitos alimentares formados na infância tendem a se perpetuar por toda a vida amplia a dimensão do problema e reforça a necessidade de que a publicidade de alimentos seja objeto de regulação pelo poder público.

A necessidade de informar a população acerca dos malefícios do consumo excessivo de determinados produtos alimentícios já integra diversas recomendações e normas nacionais e mundiais, em especial quando o seu consumo é incentivado pela publicidade e quando esta se dirige a crianças, mais vulneráveis aos apelos promocionais. Exigir que a publicidade de alimentos apresente uma informação completa e exata sobre a qualidade nutricional de produtos que podem colocar em risco a saúde e a qualidade de vida das pessoas cumpre assim, em um só tempo, dois importantes e fundamentais direitos constitucionais: o cumprimento da obrigação do Estado Brasileiro em proteger a saúde da população e a garantia da informação precisa. De modo algum, isso pode ser entendido como censura. Diversamente da livre expressão de idéias e opiniões, a publicidade visa à comercialização de produtos e serviços e, portanto, está sujeita à regulação por parte do Estado, como indica a própria Constituição no inciso 29 do artigo 22: “Compete privativamente à União legislar sobre propaganda comercial”.

Informar a população sobre os riscos relacionados ao consumo excessivo de alimentos não saudáveis significa abraçar a responsabilidade de oferecer um ambiente favorável à vida e à saúde da população, poupar vidas e sofrimento de milhões de brasileiros, permitir a realocação de recursos do tratamento de doenças evitáveis para investimentos em prevenção, e oferecer ferramentas indispensáveis à garantia da cidadania e soberania do povo brasileiro.

Levando em conta as considerações acima e considerando que o Brasil é um Estado Social e Democrático de Direito que possui compromisso constitucional com a implementação dos direitos humanos, dentre eles o direito à saúde e à alimentação adequada e, ainda, que, com a promulgação da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional (Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006), o país formalizou o objetivo de promover a realização do Direito Humano à Alimentação Adequada através de políticas e programas públicos que garantam que todos os residentes de seu território estejam livres da fome e que tenham uma alimentação adequada, as entidades da sociedade civil, instituições de pesquisa e outras instituições que subscrevem este manifesto proclamam a criação no Brasil da Frente pela Regulação da Publicidade de Alimentos.